O Papa que Testemunhou a Cruz
Mons. Inácio José
Schuster
Vigário Geral da
Diocese de Novo Hamburgo
Há séculos que nenhum Sumo Pontífice renuncia (precisamente há 598 anos),
embora, pelo Direito da Igreja (Código de Direito Canônico, 332 § 2), o Papa possa
fazê-lo. E, corajosamente, Bento XVI usou desta prerrogativa. Ele já tinha
acenado para isso há tempos. Podemos acompanhar alguns sinais dos caminhos de
Deus em sua vida. Em uma entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald e
publicada no livro "Luz do Mundo: o Papa, a Igreja e o Sinal dos
Tempos", afrontara este tema e respondido que essa era uma possibilidade,
caso o Papa chegasse à conclusão de que esse gesto seria melhor para a Igreja.
Em abril de 2009, quando visitou o túmulo de Celestino V, um dos Papas que
renunciou ao trono de Pedro, ele fez mais do que rezar diante dos restos
mortais. Sem explicação, Bento XVI passou vários minutos lá e, depois, tendo
recebido de seu secretário o pálio (de sua posse) pousou-o gentilmente na urna
de vidro de Celestino.
O seu gesto, que está agora sendo discutido, analisado, refletido por todos os
meios de comunicação, tornou-se um sinal profético para todos os seus
contemporâneos. Ele continuará sua missão evangelizadora e de amor pela Igreja
numa vida de oração no Mosteiro que existe dentro do Vaticano. No mundo atual,
onde governantes querem se perpetuar no poder, alguém que tem esse direito
vitalício abre mão dele por pura humildade e pensando no bem da Igreja e do
povo de Deus. No extremo de uma coragem heroica, própria dos grandes santos da
Igreja, o Papa nos dá esse exemplo. Sentindo ele mesmo o peso da idade e a
natural diminuição de suas forças físicas, “bem consciente da gravidade deste
ato, com plena liberdade”, renunciou ao ministério de Bispo de Roma, sucessor
do Apóstolo Pedro. A surpresa foi geral até para seus colaboradores mais
próximos; como, por exemplo, o seu Secretário de Estado, que, em sua fala ao
final da celebração da missa da Quarta-feira de Cinzas, interpreta o sentimento
geral: “não seríamos sinceros, Santidade, se não lhe disséssemos que nesta
noite há um véu de tristeza sobre o nosso coração”. A notícia percorreu o
mundo, passando por toda a Igreja e chegando até os mais distantes países e
governantes. Aqui no Brasil superou as notícias dos feriados de Carnaval. Um
ato raro dos sucessores de Pedro e, desta vez, com transmissão por rádio e
televisão e com todas as palavras jurídicas que exige o Direito Canônico. E
Bento XVI o fez com o olhar terno e a voz tranquila e de paz de quem tomou uma
decisão amadurecida.
Lembro-me de uma entrevista concedida a BBC de Londres, no final de década de
1990, pelo então Papa João Paulo II. Perguntado pelo repórter o que era ser
Papa da Igreja Católica, ele respondeu: “Ser Papa nunca nos dá direito a um
concurso de popularidade. Não se concorre, nada mais e nada menos que a Cruz. É
necessário manter as convicções do que é certo e do que é errado, mesmo que
isso custe perder todos os católicos do mundo. O que é certo, vai ser sempre
certo, mesmo que muitos ou todos achem que está errado. O que é errado vai ser
sempre errado, mesmo que muitos ou todos achem que está certo”... Palavras
firmes que nos ajudam a não perder o rumo e muito menos se deixar comprar,
vender, trocar ou alugar por bagatelas com aparência do que podem ser as
Palavras do Senhor, que na realidade, mesmo estando já quase tudo perdido,
jamais passarão.
A renúncia de Bento XVI não atenta contra a tradição ou as normas canônicas e
pode abrir um precedente moderno, até mesmo salutar, no sentido de um Papa não
prosseguir governando, para além de suas forças físicas e de modo limitado,
deixando à Cúria Romana a maior parte das decisões (certamente foi esta a
experiência que Bento XVI fez nos últimos anos de João Paulo II...), mas também
no sentido de não se impor a uma pessoa já debilitada e diminuída, no seu
vigor, o ônus de suportar o árduo e gravoso governo da diocese de Roma e da
Igreja universal.
Rezemos por Bento XVI... e pelo novo Papa... afinal: A Igreja de Cristo
permanecerá eternamente. O que o gesto do Papa então pede de nós, é mais do que
confiança. É fé!
Fé
naquelas palavras ditas por Nosso Senhor a São Pedro e a seus sucessores:
"As portas do inferno não prevalecerão!" (Mt 16, 18).
Estas palavras permanecem inabaláveis através dos séculos!
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